terça-feira, 8 de dezembro de 2009

LENDA DE ESU


II
EXÚ – Um Orishá Muito Polémico
Por Ìyá Sandra Medeiros Epega
Atoto arere. Ifá fe f'oun e dake.
Orunmilá e Exú eram amigos, mas disputavam entre si o poder.
Houve uma guerra na cidade de Ajala Eremi. Tendo isso chegado ao conhecimento de Exú, por seus seguidores que invocavam-no e pediam a sua ajuda, ele correu a Orunmilá para contar a novidade.
Orunmilá ficou curioso de saber como Exú já sabia da guerra, uma vez que a cidade era longe e parcos os recursos. Exú, muito vaidoso, disse saber tudo, em virtude de seus poderes, e completou - "Vamos lá salvá-los".
Viajaram juntos, e chegando à Ajala Eremi, ajudaram o povo a vencer a guerra, e foram reverenciados e louvados.
Na volta, Exú disse a Orunmilá - "Você vai ver, a minha magia é maior que a sua".
Orunmilá riu, disse que seus poderes eram bem maiores, e disse também:
"Ki okunrin ma to ato rin
Ki obinrin ma to ato rin
Ki awo eni ti aso re yio rin".
"O homem fica em pé e urina andando
A mulher fica em pé e urina andando
Vamos ver a roupa de quem fica molhada primeiro".
Com essas palavras ele desafiou Exú.
Caminharam muito até que anoiteceu, e pararam em Ileto (pequena cidade baale - aldeia pobre). Orunmilá pediu aos mais velhos pousada por uma noite para ambos.
O Rei permitiu que dormissem e determinou em que casa ficariam. No meio da noite, estando Orunmilá dormindo, Exú acordou bruscamente.
Exu saiu para o pátio, foi ao local onde as galinhas dormiam, agarrou o galo pelos pés, torceu-lhe o pescoço, arrancou-lhe a cabeça e enfiou no bolso. Fez uma ótima e solitária refeição com a carne e alguns inhames, pimentas, tomates e cebolas que achou nos campos, temperou tudo com óleo dendê, bebeu vinho de palma e completou com litros e litros de água fresca.
Voltando à casa, chamou Orunmilá, e disse -" Vamos embora depressa". Orunmilá acordou estremunhado, e ainda tonto, achou que era de manhã, e seguiu com Exú pela estrada como bons amigos.
Em Ileto, assim que amanheceu, descobriram a morte do galo, a fuga dos hóspedes e o povo, revoltado, decidiu persegui-los. Juntaram os Ode (soldados). Correram atrás de Exú e Orunmilá e alguém lembrou que Exú usava uma roupa de búzios (símbolo de magia).
Exú sabia que o povo de Ileto e os soldados vinham em sua perseguição. Olhava para trás e ria. Falou a Orunmilá -"O povo vem aí, traz lanças, facas e soldados. Mostre a força de sua magia agora". Orunmilá, sempre muito calmo, disse a Exú -"A mim não pegam. Eu adivinho que você matou o galo e comeu-o, porque o sangue pinga de seu bolso". E disse "A ki gbo iku a fibi oba sa". ("Não se pode ter má notícia da terra. Ela não morre".)
Depois de proferir estas palavras mágicas, Orunmilá disse a Exú:
-"Agora você dá a solução".
Exú sugeriu que subissem em uma árvore sagrada (ikin), de cuja madeira são feitos instrumentos para o culto, e esperassem para ver os Ode passarem. Os soldados e o povo viram o sangue, e revistando a árvore acharam Exú lá em cima, junto com Orunmilá. Alguns ficaram de guarda à árvore, enquanto outros foram buscar machados e facões para derrubá-la.
Quando começaram a cortar a árvore, Exú riu e disse a Orunmilá:
- "É agora! Vamos cair os dois, faça a sua magia, eu faço a minha e veremos qual o poder maior".
A árvore caiu. Orunmilá se enterrou no chão e virou água. Exú bateu no chão e virou pedra.
O povo e os Ode procuraram e não acharam ninguém. O lugar virou uma grande confusão, com todos gritando e se acusando mutuamente.
Os que estavam sedentos, viram a água que era Orunmilá, beberam dela e se acalmaram.
Os que estavam cansados sentaram na pedra que era Exú e ficaram agitados.
E daí para a frente, dois tipos de pessoas se criaram no mundo, os calmos e os agitados. E todos que jogam Ifá (antigo sistema yorubá de adivinhação), têm que cultuar Exú e Orunmilá.

LENDAS DE ESU


I
Exú sempre foi o mais alegre e comunicativo de todos os orixás. Olorun, quando o criou, deu-lhe, entre outras funções, a de comunicador e elemento de ligação entre tudo o que existe. Por isso, nas festas que se realizavam no orun (céu), ele tocava tambores e cantava, para trazer alegria e animação a todos.
Sempre foi assim, até que um dia os orixás acharam que o som dos tambores e dos cânticos estavam muito altos, e que não ficava bem tanta agitação.
Então, eles pediram a Exú, que parasse com aquela actividade barulhenta, para que a paz voltasse a reinar.
Assim foi feito, e Exú nunca mais tocou seus tambores, respeitando a vontade de todos.
Um belo dia, numa dessas festas, os orixás começaram a sentir falta da alegria que a música trazia. As cerimônias ficavam muito mais bonitas ao som dos tambores.
Novamente, eles se reuniram e resolveram pedir a Exú que voltasse a animar as festas, pois elas estavam muito sem vida.
Exú negou-se a fazê-lo, pois havia ficado muito ofendido quando sua animação fora censurada, mas prometeu que daria essa função para a primeira pessoa que encontrasse.
Logo apareceu um homem, de nome Ogan. Exú confiou-lhe a missão de tocar tambores e entoar cânticos para animar todas as festividades dos orixás. E, daquele dia em diante, os homens que exercessem esse cargo seriam respeitados como verdadeiros pais e denominados Ogans.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ONILÉ

Em algumas tradições, Onilé é uma divindade feminina, representa a Mãe Terra (onde acolhe os ancestrais), Egungun. Conta-se que quandoOlorum reuniu os orixás para dividir o poder sobre a criação entre eles, uma de suas filhas, Onilé, escondeu-se sob a terra. E acabou ganhando por este motivo poder e autoridade sobre ela. A primeira parte de todos os sacrifícios de (Ejé) sangue é sempre derramada sobre a terra, independente de para qual entidade ou divindade seja o sacrifício, este gesto é uma forma de lembrar e reconhecer o poder de Onilé. Tudo vem da terra e a ela retorna.

LENDA DE ONILÉ
  • Onilé era a filha mais recatada e discreta de Olodumare.

  • Vivia trancada em casa do pai e quase ninguém a via.

  • Quase nem se sabia de sua existência.

  • Quando os orixás seus irmãos se reuniam no palácio do grande pai

  • para as grandes audiências em que Olodumare comunicava suas decisões,

  • Onilé fazia um buraco no chão e se escondia,

  • pois sabia que as reuniões sempre terminavam em festa,

  • com muita música e dança ao ritmo dos atabaques.

  • Onilé não se sentia bem no meio dos outros.

  • Um dia o grande deus mandou os seus arautos avisarem:

  • haveria uma grande reunião no palácio

  • e os orixás deviam comparecer ricamente vestidos,

  • pois ele iria distribuir entre os filhos as riquezas do mundo

  • e depois haveria muita comida, música e dança.

  • Por todo os lugares os mensageiros gritaram esta ordem

  • e todos se prepararam com esmero para o grande acontecimento.

  • Quando chegou por fim o grande dia,

  • cada orixá dirigiu-se ao palácio na maior ostentação,

  • cada um mais belamente vestido que o outro,

  • pois este era o desejo de Olodumare.

  • Iemanjá chegou vestida com a espuma do mar,

  • os braços ornados de pulseiras de algas marinhas,

  • a cabeça cingida por um diadema de corais e pérolas,

  • o pescoço emoldurado por uma cascata de madrepérola.

  • Oxóssi escolheu uma túnica de ramos macios,

  • enfeitada de peles e plumas dos mais exóticos animais.

  • Ossaim vestiu-se com um manto de folhas perfumadas.

  • Ogum preferiu uma couraça de aço brilhante,

  • enfeitada com tenras folhas de palmeira.

  • Oxum escolheu cobrir-se de ouro,

  • trazendo nos cabelos as águas verdes dos rios.

  • As roupas de Oxumarê mostravam todas as cores,

  • trazendo nas mãos os pingos frescos da chuva.

  • Iansã escolheu para vestir-se um sibilante vento

  • e adornou os cabelos com raios que colheu da tempestade.

  • Xangô não fez por menos e cobriu-se com o trovão.

  • Oxalá trazia o corpo envolto em fibras alvíssimas de algodão

  • e a testa ostentando uma nobre pena vermelha de papagaio.

  • E assim por diante.

  • Não houve quem não usasse toda a criatividade

  • para apresentar-se ao grande pai com a roupa mais bonita.

  • Nunca se vira antes tanta ostentação, tanta beleza, tanto luxo.

  • Cada orixá que chegava ao palácio de Olodumare

  • provocava um clamor de admiração,

  • que se ouvia por todas as terras existentes.

  • Os orixás encantaram o mundo com suas vestes.

  • Menos Onilé.

  • Onilé não se preocupou em vestir-se bem.

  • Onilé não se interessou por nada.

  • Onilé não se mostrou para ninguém.

  • Onilé recolheu-se a uma funda cova que cavou no chão.

  • Quando todos os orixás haviam chegado,

  • Olodumare mandou que fossem acomodados confortavelmente,

  • sentados em esteiras dispostas ao redor do trono.

  • Ele disse então à assembléia que todos eram bem-vindos.

  • Que todos os filhos haviam cumprido seu desejo

  • e que estavam tão bonitos que ele não saberia

  • escolher entre eles qual seria o mais vistoso e belo.

  • Tinha todas as riquezas do mundo para dar a eles,

  • mas nem sabia como começar a distribuição.

  • Então disse Olodumare que os próprios filhos,

  • ao escolherem o que achavam o melhor da natureza,

  • para com aquela riqueza se apresentar perante o pai,

  • eles mesmos já tinham feito a divisão do mundo.

  • Então Iemanjá ficava com o mar,

  • Oxum com o ouro e os rios.

  • A Oxóssi deu as matas e todos os seus bichos,

  • reservando as folhas para Ossaim.

  • Deu a Iansã o raio e a Xangô o trovão.

  • Fez Oxalá dono de tudo que é branco e puro,

  • de tudo que é o princípio, deu-lhe a criação.

  • Destinou a Oxumarê o arco-íris e a chuva.

  • A Ogum deu o ferro e tudo o que se faz com ele,

  • inclusive a guerra.

  • E assim por diante.

  • Deu a cada orixá um pedaço do mundo,

  • uma parte da natureza, um governo particular.

  • Dividiu de acordo com o gosto de cada um.

  • E disse que a partir de então cada um seria o dono

  • e governador daquela parte da natureza.

  • Assim, sempre que um humano tivesse alguma necessidade

  • relacionada com uma daquelas partes da natureza,

  • deveria pagar uma prenda ao orixá que a possuísse.

  • Pagaria em oferendas de comida, bebida ou outra coisa

  • que fosse da predileção do orixá.

  • Os orixás, que tudo ouviram em silêncio,

  • começaram a gritar e a dançar de alegria,

  • fazendo um grande alarido na corte.

  • Olodumare pediu silêncio,

  • ainda não havia terminado.

  • Disse que faltava ainda a mais importante das atribuições.

  • Que era preciso dar a um dos filhos o governo da Terra,

  • o mundo no qual os humanos viviam

  • e onde produziam as comidas, bebidas e tudo o mais

  • que deveriam ofertar aos orixás.

  • Disse que dava a Terra a quem se vestia da própria Terra.

  • Quem seria? perguntavam-se todos?

  • "Onilé", respondeu Olodumare.

  • "Onilé?" todos se espantaram.

  • Como, se ela nem sequer viera à grande reunião?

  • Nenhum dos presentes a vira até então.

  • Nenhum sequer notara sua ausência.

  • "Pois Onilé está entre nós", disse Olodumare

  • e mandou que todos olhassem no fundo da cova,

  • onde se abrigava, vestida de terra, a discreta e recatada filha.

  • Ali estava Onilé, em sua roupa de terra.

  • Onilé, a que também foi chamada de Ilê, a casa, o planeta.

  • Olodumare disse que cada um que habitava a Terra

  • pagasse tributo a Onilé,

  • pois ela era a mãe de todos, o abrigo, a casa.

  • A humanidade não sobreviveria sem Onilé.

  • Afinal, onde ficava cada uma das riquezas

  • que Olodumare partilhara com filhos orixás?

  • "Tudo está na Terra", disse Olodumare.

  • "O mar e os rios, o ferro e o ouro,

  • Os animais e as plantas, tudo", continuou.

  • "Até mesmo o ar e o vento, a chuva e o arco-íris,

  • tudo existe porque a Terra existe,

  • assim como as coisas criadas para controlar os homens

  • e os outros seres vivos que habitam o planeta,

  • como a vida, a saúde, a doença e mesmo a morte".

  • Pois então, que cada um pagasse tributo a Onilé,

  • foi a sentença final de Olodumare.

  • Onilé, orixá da Terra, receberia mais presentes que os outros,

  • pois deveria ter oferendas dos vivos e dos mortos,

  • pois na Terra também repousam os corpos dos que já não vivem.

  • Onilé, também chamada Aiê, a Terra, deveria ser propiciada sempre,

  • para que o mundo dos humanos nunca fosse destruído.

  • Todos os presentes aplaudiram as palavras de Olodumare.

  • Todos os orixás aclamaram Onilé.

  • Todos os humanos propiciaram a mãe Terra.

  • E então Olodumare retirou-se do mundo para sempre e deixou o governo de tudo por conta de seus filhos orixás[1].

  • Cultuada discretamente em terreiros antigos da Bahia e em candomblés africanizados, a Mãe Terra desperta curiosidade e interesse entre os seguidores dos orixás, sobretudo entre aqueles que compõem os seguimentos mais intelectualizados da religião. Onilé é assentada num montículo de terra vermelha e acredita-se que guarda o planeta e tudo que há sobre ele, protegendo o mundo em que vivemos e possibilitando a própria vida. Na África, também é chamada Aiê e Ilê, recebendo em sacrifício galinhas, caracóis e tartarugas (Abimbola, 1977: 111). Onilé, isto é, a Terra, tem muitos inimigos que a exploram e podem destruí-la. Para muitos seguidores da religião dos orixás, interessados em recuperar a relação orixá-natureza, o culto de Onilé representaria, assim, a preocupação com a preservação da própria humanidade e de tudo que há em seu mundo. .